28.9.09

"Um mocinho que, durante alguns capítulos, é 'um saco'; como um homem que foi muito humilhado e, ao se tornar rico, virou um monstrinho"

As autoras Duca Rachid e Thelma Guedes não se contentam com o politicamente correto. Ao contrário. Para elas, valores antigos precisam ser resgatados para que o respeito pelo ser humano cresça. E acreditam que a história de Cama de Gato, que escreveram para próxima novela das 18 horas - com estreia prevista para 5 de outubro - possa ajudar.

Tanto que decidiram arriscar ao usar um mocinho que, durante alguns capítulos, é, como elas próprias definem, "um saco". "Nosso foco está todo no Gustavo, um homem que foi muito humilhado e, ao se tornar rico, virou um monstrinho", adianta Duca, referindo-se ao personagem de Marcos Palmeira. A cumplicidade das duas é facilmente percebida já nos primeiros minutos que se passa com elas. Tanto que, brincam, não podem ser fotografadas muito juntas.

Tudo para não aumentar as suspeitas de que têm um caso amoroso. "Muita gente já acha isso e a gente não tem de alimentar", diverte-se Thelma, enquanto se esforça ao posar para as fotos. Coisa que ambas não sentem o menor conforto em fazer.

"A gente tenta sempre se esconder nos óculos, nos monitores e nas páginas", entrega Duca, esbanjando bom humor.

Geralmente as novelas das 18 horas apostam em histórias românticas com os arquétipos heroicos. De onde surgiu a ideia de trabalhar um mocinho às avessas, que tem uma redenção ao longo dos capítulos?
Duca Rachid - A gente tem uma afinidade muito forte não só artística, mas também na maneira de enxergar o mundo. Conversávamos há algum tempo sobre a necessidade de mudança de comportamento. É preciso abrir mão das questões individuais para resgatar os valores coletivos. O mundo não suporta mais esse individualismo.
Thelma Guedes - Um professor da USP se vestiu de gari e foi trabalhar na universidade assim. Estava desenvolvendo uma tese e percebeu que os colegas dele olhavam e não o reconheciam. A nossa história tem um pouco disso quando escolhemos trabalhar uma protagonista que é faxineira. Você pode ser politicamente correto, mas geralmente não olha para a empregada, o cozinheiro, o segurança... Essas pessoas ficam nos quartinhos. A nossa arquitetura é assim: as dependências de empregada ficam no canto mais abafado, sem janela e com entrada pelos fundos. Sempre tive paixão pela história do Buda, por conhecer o mundo depois do isolamento no castelo dourado. A novela não é religiosa, mas tem o seu questionamento: por que a gente está vivendo assim? É sobre isso que queremos falar.

Desde quando vocês estão trabalhando em cima dessa história?
Thelma Guedes - Quando terminamos O Profeta, houve um pedido da Globo para prepararmos algo. Tinham sugerido que fizéssemos uma novela de época, um "remake" da Ivani Ribeiro ou uma trama contemporânea. Trabalhamos em cima dessas possibilidades.
Duca Rachid - A casa chamou a gente para uma delas, que era a de época. Nisso rolou uma análise do horário e verificaram que há tempos se repetiam as tramas de época. Tentamos uma adaptação para os dias de hoje, mas gostaram tanto da original que preferiram guardar para fazer depois. Hoje existe a gestão participativa, todos os autores leem, se interessam e o primeiro que curtiu a nossa sinopse de Cama de Gato foi o Sílvio de Abreu, que não pôde pegar a supervisão por conta da próxima novela dele. Isso foi em outubro do ano passado.

Essa é a segunda novela de vocês, primeira com um roteiro original. É mais difícil do que adaptar uma história de alguém, como em um remake?
Thelma Guedes - É melhor! Em O Profeta, era uma reinvenção. O que era uma questão ética e um desentendimento amoroso em 1977, perdeu sentido em 2006. O cara não podia vender os poderes dele, mas estava desempregado. Nos grupos de discussão, as mulheres reclamavam que isso não tinha muita coerência. Entramos naquela fábula meio Rapunzel, com a mocinha levada para o sótão por um bruxo mau. Foi algo bem folhetinesco e com base nos arquétipos dos contos de fadas. E deu certo.
Duca Rachid - O Walter Durst falava que adaptar é trair por amor. Você tem de ser fiel à essência, mas trata-se de outra trama. É como desfazer um tapete e refazer com os mesmos fios: o desenho não vai sair exatamente igual. É complicado.

As decisões sobre o elenco de Cama de Gato foram tomadas por vocês ou pelo João Emanuel?
Thelma Guedes - Participamos de todas. Sempre pensamos na Paola para um dos papéis principais, mas sabíamos que ela não tinha idade para encarnar uma mãe de quatro filhos. Logo decidimos que ela seria a vilã. Já a Camila Pitanga era a primeira opção da Duca e eu achei uma ideia genial.
Duca Rachid - Enxerguei a Camila nesse posto desde o início. Achei que ela pudesse recusar, estava com a filha pequena, mas queria ela. Já o Marcos a gente escolheu porque precisava de um ator que fosse capaz de fazer um mocinho que é um saco no começo, mas que imprime em todos os momentos que haverá uma redenção ao longo da história. E ele consegue fazer isso. O Carmo veio pelo trabalho dele em A Favorita e pela necessidade de ter um homem na faixa dos 40 anos e com ar de galã. Um cara aventureiro, cheio de vida, apesar da doença terminal do personagem.

Vocês já pensaram em escrever sozinhas?
Duca Rachid - A Globo chegou a sugerir, mas a gente curte essa parceira. E eu penso no dia de hoje, não quero projetar muito. Está funcionando tão bem. Fico imaginando todas as dificuldades que teríamos se estivéssemos sozinhas.
Thelma Guedes - A Duca é muito de fazer junto e eu, como boa escritora de livros, sempre fui bem solitária. Mas esse encontro foi importantíssimo para mim. Hoje em dia a gente faz junto os diálogos, até parece duas atrizes atuando. É impressionante! Na emissora, já tem gente que brinca que somos uma pessoa só. Por enquanto, estamos felizes assim.

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